sábado, 6 de abril de 2013


Durante a consulta o ambiente estava muito descontraído. Sentia uma leveza inexplicável. Como era possível em tão poucas sessões mudar tanto de atitude. O facto de sentir coragem para caminhar em frente sozinha, ao contrário do que pensei, tinha-me deixado confiante. E a postura descontraída dos terapeutas mostrava que eu estava no caminho certo. Sei que a leitura dos livros de Jorge Bucay tiveram um contributo muito importante neste meu processo de crescimento, mas se não tivesse conhecido esta equipa provavelmente não teria chegado a conhecer tamanha inspiração.

Já se tinham passado mais de vinte anos desde que Milan Kundera* me inspirara e me agarrara com a sua escrita. Desde então nenhum escritor teve tanto impacto em mim até conhecer este mestre gestáltico. Devorei os seus livros em poucos meses e aprendi a beber chá mate. Este passou a servir-me de companhia durante as longas noites de escrita, outra coisa que não fazia desde a leitura de Kundera.

Assim, quando senti a ajuda psicológica que precisava nos livros que tinha em casa, decidi anunciar o fim da terapia.

Quando saí do consultório esboçava um sorriso impossível de esconder. Sentia-me livre, com todas as letras! Tinha uma euforia dentro de mim difícil de explicar... Sentia que tinha terminado algo muito importante.

Aquele sentimento reportou-me para um outro momento já passado. Aquele em que saí da escola de condução com a aprovação!

Queria correr!... Saltar!... Voar!...

Ao fim do dia, já mais calma, senti repentinamente uma tristeza, leve tristeza, diria mesmo... Ternurenta tristeza!

Se tudo correr como esperado, não verei mais aqueles dois! - Um nó na garganta repentino...

Isso será um sinal de vitória sem dúvida!... Mas porque não o sinto dessa maneira?

Será que vou continuar a ouvir a sua voz mediadora quando me confronto comigo mesma?

Recordei então as suas palavras: "... Pensei que seria mais uma daquelas armadilhas que ela arma a si própria!" - Dizia nesse dia sobre mim. Porque farei eu isso?"

Na tentativa de arrancar aquele isco ali instalado, atravessei a rua e entrei uma última vez naquela porta.

- Estas suas palavras perseguem-me! - Disse-lhe eu depois de explicar o que me incomodava - Senti que me deixou sair da sala no último dia com um isco em frente do nariz. Por isso de quando em vez, lembro-me delas... e não chego lá... ou não quero lá chegar, não sei!

Queria pedir-lhe que, p.f. me explique a sua visão desse meu mecanismo de armadilhar armadilhas para mim mesma.

- Ariel, essas armadilhas são redes, assim como as redes dos trapezistas que arriscam, que atravessam. São, também, âncoras que nos fazem ficar e contemplar, mas, simultaneamente, desejar estar noutros lugares. São puzzles que nos ocupam lembrando-nos que a vida é para ser vivida. São memorandos que nos vibram recordando-nos que permanecemos espantados por existir... que permanece espantada por existir, o que é lindo, Ariel!

Finalmente consigo ver em frente sem nada a tapar a vista, pensei enquanto fechava a porta atrás de mim. Esta etapa está finalmente concluída! Detesto este meu velho hábito de ouvir as coisas e não as questionar na hora... Torna-se muito difícil voltar ao momento mais tarde para o perceber. Além de que permanecemos constantemente com aquela sombra!...

                                                                           O.V., Março de 2013

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