sábado, 27 de abril de 2013

Paternidade e Erotismo




O sexo faz bebés. Daí que seja irónico que a criança, personificação do amor do casal, ameace tantas vezes o romance que lhe deu existência. O sexo, que pôs toda essa operação em andamento, é muitas vezes abandonado assim que os filhos entram em cena. Muitos casais apontam a chegada do primeiro filho como o início do declínio da sua vida erótica. Por que motivo desfere a paternidade um golpe tão fatal?

A transição de dois para três é um dos desafios mais profundos com que um casal tem de lidar. Precisamos de tempo – e tempo medido em anos, não em semanas – para encontrar as nossas referências nesse admirável mundo novo. Ter um bebé é uma revolução psicológica que altera a nossa relação com quase tudo e quase todos, desde a amigos, pais e sogros. Os nossos corpos mudam. O mesmo acontece à nossa vida financeira e profissional. As prioridades alteram-se, os papéis são redefinidos, e o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade conhece uma extensa reformulação. Apaixonamo-nos literalmente pelos nossos bebés e sabemos, já que em tempos o vivemos com os nossos parceiros, que a paixão é um estado absolutamente absorvente que empurra tudo o resto para segundo plano. Constituir família exige uma redistribuição de recursos e, durante uns tempos, parece restar pouco para o casal.

Mais cedo ou mais tarde a maioria de nós consegue voltar a reconhecer-se no seio deste novo contexto familiar. É nessa altura que o romance torna a fazer parte do tecido das nossas vidas. Lembramo-nos que o sexo é bom; que nos faz sentir bem e nos aproxima.

Enquanto alguns casais voltam a gravitar para junto um do outro, outros vagueiam por um caminho de mútuo afastamento. Recuperar a intimidade erótica nem sempre é fácil. A questão é que os pais de hoje, independentemente da classe a que pertencem, andam sobrecarregados de trabalho e sentem-se esmagados sob esse peso. Como consequência, deixam o sexo para segundo plano nas suas agendas, reservando-o para quando tiverem terminado de atender a solicitações mais prementes.

Os casais corajosos e determinados que mantêm uma relação erótica são, acima de tudo, aqueles que a valorizam. Quando sentem que o desejo está em crise, tornam-se zelosos e fazem tentativas francas e diligentes no sentido de o ressuscitar. Sabem que não são as crianças quem apaga a chama do desejo; são os adultos que deixam de saber mantê-la viva.

Adaptado de Perel (2008), “Amor e desejo na relação conjugal”

sexta-feira, 19 de abril de 2013


Como saber quando procurar ajuda profissional para ajudar a superar a sua experiência de perda/luto?

É importante não “patologizar” o luto encarando-o que se fosse uma doença, no entanto, também é importante garantir a reorganização da própria vida depois de uma perda significativa.


Podemos ficar “bloqueados” de muitas maneiras no ciclo do luto. O luto pode estar aparentemente ausente, cronificar-se ou representar uma ameaça na nossa vida. Estes resultados negativos são mais prováveis nos casos de perdas traumáticas (por exemplo, os que implicam danos no próprio corpo ou quando um ser querido é vítima num acidente). Também pode ser dificil a acomodação a mortes “fora de tempo” que não estão sincronizadas com o ciclo de vida familiar, como pode ser o caso da morte de uma criança.

As características da pessoa que sofre a perda também podem influir no processo e no resultado do luto, caracteristicas estas que podem incluir o uso de estratégias como o recorrer a ansiolíticos ou ao alcool. Por último, os factores contextuais, como o apoio social com o que a pessoa conta, também podem facilitar ou dificultar a elaboração de um luto saudável.

Um exemplo especialmente dramático é o fenómeno da “sobrecarga de luto” em que o indivíduo se enfrenta com as mortes simultaneas ou sequenciais de um grande número de outros significativos.

Como pode saber quando deve procurar ajuda para além do seu circulo habitual de amigos e familiares, para assimilar a sua própria experiencia de perda?
Uma resposta possível é se pode reconhecer que ficou “bloqueado” no seu luto: se foi incapaz de “sentir” durante meses pela perda do seu ser querido, ou pelo contrário, se se sente “preso” no seu sofrimento intenso e implacável, que pode chegar a pô-lo em perigo a si mesmo ou às pessoas que tem à sua responsabilidade.

Ainda que todos devamos tentar encontrar sentido para as nossa perda e para a vida que levamos depois de sofrê-la, não há nenhum motivo para fazê-lo de forma heroica, sem o apoio, os conselhos ou as ajudas concretas dos outros.


Quando procurar ajuda?

A dor, a solidão e as perturbações que acompanham o luto não têm nada de “anormal”, no entanto, há alguns sintomas que deveriam levar-nos a procurar um profissional ou alguma pessoa do nosso meio que possa ajudar-nos: profissionais de saúde mental, médicos, guias espirituais, grupos de apoio. Cada pessoa deve tomar a sua decisão livremente mas deve colocar seriamente a possiblidade de falar com alguém sobre o seu luto se apresenta algum dos seguintes sintomas:


. Sentimentos de culpa intensos, provocados por coisas diferentes às que fez ou deixou de fazer no momento da morte do seu ser querido;

. Pensamentos de suicídio que vão mais além do “desejo passivo de estar morto” ou de poder reunir-se com o seu ser querido;

. Desespero extremo, a sensação de que por muito que tente nunca vai poder recuperar uma vida que valha a pena viver;

. Inquietude ou depressão prolongadas a sensação de estar “preso” ou “lentificado” mantida ao longo de vários meses;

. Sintomas físicos, como a sensação de aperto no peito ou perda substancial de peso, que podem representar uma ameaça para o seu bem-estar físico;

. Ira descontrolada, que faz com que os seus amigos ou seres queridos se distanciem ou que o leva a “planear uma vingança” da sua perda;

. Dificuldades continuadas de funcionamento que se manifestam na sua incapacidade para conservar o seu trabalho ou realizar as tarefas domésticas necessárias à vida diária;

. Abuso de substâncias, confiando demasiado nas drogas ou alcóol para desterrar a dor da sua perda.


Qualquer destes sintomas pode ser uma caracteristica pasageira de um proceso normal de luto, mas a sua presença continuada deve ser causa de preocupação e merece a atenção de um profissional para além das figuras de apoio informal presentes na vida de cada um de nós.


Adaptado de Neimeyer (2000) “Aprender de la perdida”

quarta-feira, 10 de abril de 2013


Sexualidade no Casamento...”


A sexualidade significa cérebro e emoções, cultura, história de vida, perspectiva evolutiva de uma relação. Compreender a sexualidade de uma pessoa pressupõe saber alguma coisa sobre o seu desejo sexual, as suas fantasias e os seus comportamentos. Num casal a questão complexifica-se e a perspectiva individual não pode somar-se à visão do outro, porque a interação modela o relacionamento íntimo.
A sexualidade exige proximidade e distância ao mesmo tempo. Precisamos de entrar no íntimo do outro, mas ao mesmo tempo conservar a nossa integridade e as nossas fantasias.

A sensualidade é de outra dimensão, não menos importante. Remete-nos para uma experiência agradável que envolve ver, tocar e ser tocado, cheirar, sentir em todo o corpo. Estas experiências envolvem-nos com a pessoa que amamos, mas não estão imediatamente ligadas ao ato sexual. Criam vínculos de amor, lançam pontes para o entendimento profundo entre os dois seres, fazem-nos sentir próximos.
A sensualidade inclui dar as mãos, abraçar, falar de forma afetuosa, ouvir em conjunto uma música com significado afetivo para ambos.

Quando a sensualidade desapareceu da relação conjugal, a ligação afetiva perde proximidade e o ato sexual passa a ser o único momento em que o casal verdadeiramente se envolve. A pressão de um bom desempenho ganha assim demasiada importância. Por isso muitas vezes é melhor adiar.
A perda da sensualidade está relacionada com muitas dificuldades sexuais dos casais de hoje. Essa perda começou no momento em que o casal não soube passar do efémero da paixão para um sentimento mais seguro e estável, o amor.

O caminho tem de ser o da sensualidade, reencontrada a partir das experiências partilhadas de descoberta das necessidades, desejos e sonhos do companheiro(a). Falar pouco e tocar muito são estradas importantes desse percurso.”


Daniel Sampaio
Labirinto de Mágoas – As crises do casamento e como enfrentá-las”




sábado, 6 de abril de 2013


Durante a consulta o ambiente estava muito descontraído. Sentia uma leveza inexplicável. Como era possível em tão poucas sessões mudar tanto de atitude. O facto de sentir coragem para caminhar em frente sozinha, ao contrário do que pensei, tinha-me deixado confiante. E a postura descontraída dos terapeutas mostrava que eu estava no caminho certo. Sei que a leitura dos livros de Jorge Bucay tiveram um contributo muito importante neste meu processo de crescimento, mas se não tivesse conhecido esta equipa provavelmente não teria chegado a conhecer tamanha inspiração.

Já se tinham passado mais de vinte anos desde que Milan Kundera* me inspirara e me agarrara com a sua escrita. Desde então nenhum escritor teve tanto impacto em mim até conhecer este mestre gestáltico. Devorei os seus livros em poucos meses e aprendi a beber chá mate. Este passou a servir-me de companhia durante as longas noites de escrita, outra coisa que não fazia desde a leitura de Kundera.

Assim, quando senti a ajuda psicológica que precisava nos livros que tinha em casa, decidi anunciar o fim da terapia.

Quando saí do consultório esboçava um sorriso impossível de esconder. Sentia-me livre, com todas as letras! Tinha uma euforia dentro de mim difícil de explicar... Sentia que tinha terminado algo muito importante.

Aquele sentimento reportou-me para um outro momento já passado. Aquele em que saí da escola de condução com a aprovação!

Queria correr!... Saltar!... Voar!...

Ao fim do dia, já mais calma, senti repentinamente uma tristeza, leve tristeza, diria mesmo... Ternurenta tristeza!

Se tudo correr como esperado, não verei mais aqueles dois! - Um nó na garganta repentino...

Isso será um sinal de vitória sem dúvida!... Mas porque não o sinto dessa maneira?

Será que vou continuar a ouvir a sua voz mediadora quando me confronto comigo mesma?

Recordei então as suas palavras: "... Pensei que seria mais uma daquelas armadilhas que ela arma a si própria!" - Dizia nesse dia sobre mim. Porque farei eu isso?"

Na tentativa de arrancar aquele isco ali instalado, atravessei a rua e entrei uma última vez naquela porta.

- Estas suas palavras perseguem-me! - Disse-lhe eu depois de explicar o que me incomodava - Senti que me deixou sair da sala no último dia com um isco em frente do nariz. Por isso de quando em vez, lembro-me delas... e não chego lá... ou não quero lá chegar, não sei!

Queria pedir-lhe que, p.f. me explique a sua visão desse meu mecanismo de armadilhar armadilhas para mim mesma.

- Ariel, essas armadilhas são redes, assim como as redes dos trapezistas que arriscam, que atravessam. São, também, âncoras que nos fazem ficar e contemplar, mas, simultaneamente, desejar estar noutros lugares. São puzzles que nos ocupam lembrando-nos que a vida é para ser vivida. São memorandos que nos vibram recordando-nos que permanecemos espantados por existir... que permanece espantada por existir, o que é lindo, Ariel!

Finalmente consigo ver em frente sem nada a tapar a vista, pensei enquanto fechava a porta atrás de mim. Esta etapa está finalmente concluída! Detesto este meu velho hábito de ouvir as coisas e não as questionar na hora... Torna-se muito difícil voltar ao momento mais tarde para o perceber. Além de que permanecemos constantemente com aquela sombra!...

                                                                           O.V., Março de 2013

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Casos práticos de Mediação Familiar (Exemplo I)

No dia em que ocorre o nosso evento “O que é a mediação Familiar?” impõe-se a vontade de falar sobre este tema!

A MF é um método alternativo de resolução de conflitos, por outras palavras, é um recurso para as famílias que estão a lidar com algum tipo de conflito familiar, seja ele relacionado com a separação divórcio, com questões monetárias, por exemplo, heranças ou até relacionado com decisões sobre quem fica encarregue da prestação de cuidados a idosos ou familiares incapacitados.

A maioria das situações que chegam à mediação familiar referem-se a situações associadas a separação ou divórcio, não fosse esta uma etapa recheada de incertezas, dúvidas, avanços, retrocessos, mas acima de tudo, decisões a tomar. Quando a tudo isto juntamos a turbulência de emoções e sentimentos contraditórios por que o casal passa, temos um contexto ideal para o aparecimento de inúmeros desentendimentos e conflitos familiares.

Atendendo a que a separação/divórcio são acontecimentos comuns nos dias de hoje, decidimos partilhar convosco um exemplo do que pode acontecer num caso de mediação familiar nessa situação, referindo também as dificuldades que poderiam surgir numa primeira sessão de mediação.


Exemplo I
Informação prévia prestada nos formulários de orientação
Mulher – Cristina, 34 anos   secretária (a tempo parcial)
Marido – António, 38 anos   gestor de marketing
Filhos – Rebeca, 11 anos
              Sofia, 9 anos
              Mateus, 6 anos

Cristina e António estiveram casados doze anos. Separaram-se há um mês. Cristina continua a viver no apartamento familiar com as crianças. António deixou o lar há um mês e está a viver num apartamento alugado com a companheira Célia. O apartamento familiar está em nome dos dois e António ainda está a pagar uma hipoteca. Nem um nem outro possuem reservas ou outros bens significativos.

Razões para  recorrerem à mediação: António escreveu no seu formulário de orientação: “É cada vez mais difícil discutir assuntos económicos e sobre os filhos sem que os nossos sentimentos interfiram.”
Por seu lado, Cristina escreveu no seu formulário: “Preciso saber qual é a minha situação financeira. As crianças estão perturbadas e aborrecidas por verem o pai ir e vir”.
Ambos dizem quem não têm a certeza de como resolver as coisas porque é difícil falarem. Os problemas que eles pretendem analisar incluem soluções para os filhos. Nomeadamente, a relação do António com os filhos, pois tem tendência para ir e vir continuamente, e os filhos não sabem quando o voltarão a ver.


Dificuldades na primeira reunião:

  1. A irritação e a aflição de Cristina, Sente-se muito abandonada por António e não tem a certeza de querer colaborar com ele depois da maneira como ele a abandonou a ela e aos filhos. Ela tem também a preocupação de poder não ser capaz de sobreviver financeiramente.
  2. A zanga, os sentimentos de culpa e de perda de António, que acusa a Cristina por alguns dos problemas que levaram à ruptura do casamento. Receia que ela vire os filhos contra ele, por isso tem uma posição defensiva e acusa Cristina
  3. Discussão sobre as crianças. Cada um dos pais tem uma perspectiva diferente.
  4. Célia, a companheira de António. A emoção aumenta sempre que o seu nome é mencionado.
  5. Confusão financeira e ansiedade sobre o pagamento das contas.
  6. Cada um dos parceiros está profundamente descontente sobre o que se passou entre eles. As opiniões sobre quem é o grande responsável estão misturadas com as preocupações sobre as crianças e os receios sobre o seu futuro.


Exemplo retirado do livro Mediação Familiar, Lisa Parkinson, 2008.
 

                                                                                                                      Final 1ª parte …