sexta-feira, 8 de agosto de 2014

“Eras Tudo para Mim”


“Aparentemente, tudo funcionava muito bem. Não havia problemas entre nós. Nunca houve. Refiro-me a grandes problemas, pois estávamos quase sempre de acordo, pelo menos quanto aos assuntos importantes. Respeitávamo-nos e gostávamos muitíssimo um do outro. Na verdade, gostamos muito um do outro, embora tenhamos erguido um muro entre nós.
Este par, como tantos outros de hoje, desfez-se. Separámo-nos. E, nesse momento, eu quase não percebia porquê. Agora, após algum tempo de reflexão, dou-me conta de que era nos próprios alicerces da nossa relação que residia a doença. Tu e eu, sem preparação, unimos as nossas vidas segundo a forma que tínhamos aprendido, de acordo com o modelo do modelo que recebemos dos nossos pais e que funcionou durante algum tempo. Nesses anos em que nos fomos dando um ao outro, sem cuidarmos de nós próprios.
Eras tudo para mim. Eu vivia por ti e para ti. Cada coisa que fazia, pensava ou sentia trazia-me uma recordação de ti. Só tinha sentido se, depois, a partilhava contigo, se dependia de ti. E enquanto permaneci assim, dentro da relação, em nada me parecia estranha a necessidade que nos unia.
Dependência amorosa ou simbiose – como dizem os especialistas, quando definem esta relação tão problemática e frequente. Segundo eles, o homem desempenha o papel de pai da mulher e esta o papel de mãe do homem. Um ocupa-se do outro e vice-versa. O problema é que a relação se vai consumindo lentamente. Pouco a pouco, vai-se esgotando, por não permitir o crescimento do individual. Psicologicamente, forma-se uma personalidade através da mistura dos dois, de forma que é enorme a fusão a um nível profundo.
E foi isto que aconteceu. A estrutura do nosso par começou a fender-se e as emoções, até então reprimidas, principiaram a brotar com demasiada violência. A raiva acumulada causou estragos. O medo ia-se extravasando mais e mais em cada dia. E o que havia durado tantos anos, com pequenas intervenções, agora não tinha remédio.
Foi muito duro. Terrível e doloroso. Começar de novo. Com o coração desfeito e todas essas emoções a surgirem, brutais, noite após noite. Quando o silêncio de uma casa não partilhada te lembra, em cada momento, que estás só. E choras. Nesses momentos, fazes o que jamais terias sequer sonhado. Falas seja com o que for. Gritas. Ages…
E, pouco a pouco, vais refazendo a tua vida. Ferido ou, pelo menos, maltratado. Inicias a tua vida de separado, com a compensação inicial dos teus amigos. Com o receio de que seja contagioso (e é). Vais aprendendo a viver, de novo, com crescente ilusão e com a esperança de que, depois de tudo por que passaste, possas ter uma segunda oportunidade.”

“Gosto de Fazer Amor”, José F. Zurita     

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