Durante a consulta o ambiente estava
muito descontraído. Sentia uma leveza inexplicável. Como era possível em tão
poucas sessões mudar tanto de atitude. O facto de sentir coragem para caminhar
em frente sozinha, ao contrário do que pensei, tinha-me deixado confiante. E a
postura descontraída dos terapeutas mostrava que eu estava no caminho certo.
Sei que a leitura dos livros de Jorge Bucay tiveram um contributo muito
importante neste meu processo de crescimento, mas se não tivesse conhecido esta
equipa provavelmente não teria chegado a conhecer tamanha inspiração.
Já se tinham passado mais de vinte
anos desde que Milan Kundera* me inspirara e me agarrara com a sua escrita.
Desde então nenhum escritor teve tanto impacto em mim até conhecer este mestre
gestáltico. Devorei os seus livros em poucos meses e aprendi a beber chá mate.
Este passou a servir-me de companhia durante as longas noites de escrita, outra
coisa que não fazia desde a leitura de Kundera.
Assim, quando senti a ajuda
psicológica que precisava nos livros que tinha em casa, decidi anunciar o fim
da terapia.
Quando saí do consultório esboçava um
sorriso impossível de esconder. Sentia-me livre, com todas as letras! Tinha uma
euforia dentro de mim difícil de explicar... Sentia que tinha terminado algo
muito importante.
Aquele sentimento reportou-me para um
outro momento já passado. Aquele em que saí da escola de condução com a
aprovação!
Queria correr!... Saltar!... Voar!...
Ao fim do dia, já mais calma, senti
repentinamente uma tristeza, leve tristeza, diria mesmo... Ternurenta tristeza!
Se tudo correr como esperado, não
verei mais aqueles dois! - Um nó na garganta repentino...
Isso será um sinal de vitória sem
dúvida!... Mas porque não o sinto dessa maneira?
Será que vou continuar a ouvir a sua
voz mediadora quando me confronto comigo mesma?
Recordei então as suas palavras:
"... Pensei que seria mais uma daquelas armadilhas que ela arma a si
própria!" - Dizia nesse dia sobre mim. Porque farei eu isso?"
Na tentativa de arrancar aquele isco
ali instalado, atravessei a rua e entrei uma última vez naquela porta.
- Estas suas palavras perseguem-me! -
Disse-lhe eu depois de explicar o que me incomodava - Senti que me deixou sair
da sala no último dia com um isco em frente do nariz. Por isso de quando em
vez, lembro-me delas... e não chego lá... ou não quero lá chegar, não sei!
Queria pedir-lhe que, p.f. me
explique a sua visão desse meu mecanismo de armadilhar armadilhas para mim
mesma.
- Ariel, essas armadilhas são redes,
assim como as redes dos trapezistas que arriscam, que atravessam. São, também,
âncoras que nos fazem ficar e contemplar, mas, simultaneamente, desejar estar
noutros lugares. São puzzles que nos ocupam lembrando-nos que a vida é para ser
vivida. São memorandos que nos vibram recordando-nos que permanecemos
espantados por existir... que permanece espantada por existir, o que é lindo,
Ariel!
Finalmente consigo ver em frente sem
nada a tapar a vista, pensei enquanto fechava a porta atrás de mim. Esta etapa
está finalmente concluída! Detesto este meu velho hábito de ouvir as coisas e
não as questionar na hora... Torna-se muito difícil voltar ao momento mais
tarde para o perceber. Além de que permanecemos constantemente com aquela
sombra!...
O.V., Março de 2013
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