FÉRIAS
“Sempre me fascinou ver como as pessoas vão a pouco e pouco
encarando de forma diferente as férias. Desde logo quase todos passamos a só
gozar as grandes, mas de tal forma encolhidas e isoladas que o adjectivo deixa
de se justificar, são as férias e ponto final. Se a duração é menor, a possibilidade
de escolha torna-se quase nula. Os estudos dos garotos ditam a sua lei e
empurram-nos inexoravelmente para julho ou agosto (…).
E depois existe o subsídio de férias já destinado, a
necessidade de articular as férias de ambos os pais, o problema de como ficam
os avós. (…) Recompondo-nos física e mentalmente após um ano de trabalho,
permitirão cumprir um sonho adiado há onze meses – a família estar em família.
A profissão ensinou-me a ser comedido. No princípio do Verão
ouço com frequência discursos de esperança, “talvez nas férias…”Aconteça o quê?
Um casamento fracassado se recomponha, o silêncio com os miúdos dê lugar a
conversas fáceis, o futuro não se perfile igual ao presente, ambos tão
distantes do que o passado prometia. E às vezes os pedidos são atendidos, as
pessoas regressam reconciliadas com o mundo em geral e o seu nicho ecológico em
particular (…). Às vezes…porque também surgem outras surpreendidas, não só os
problemas não se resolveram como até pioraram.
As férias colocam-nas em situações que amiúde foram evitadas
- consciente ou inconscientemente – ao longo do ano. É verdade que a vida é
dura e apressada, mas por vezes os silêncios, as ausências, os pseudodiálogos
através da novela, da prestação da casa e das notas dos miúdos reflectem uma distância
entre as pessoas que surge de dentro para fora e não no sentido inverso. Nesses
casos as férias tornam-se angustiantes, os outros ali tão perto, 24 horas por
dia, disponíveis, oficialmente o vento está de feição e no entanto o casal ou
toda a família permanecem incapazes de evitar os baixios; encalham.
Mas sempre deixo uma pista, tão simples que aceitarei de bom
grado o rótulo de discípulo de La Palisse: as férias agradáveis “preparam-se”
ao longo do ano.”
Júlio Machado Vaz
“Conversas no Papel”
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