Bateram-me
no carro! Ficou todo partido! Já viste o meu azar! Tudo me corre mal na vida!
Bolas! Cortam-me no ordenado e exigem cada vez mais; chego a casa e lá vem a
Maria me chatear, os meus filhos sempre a discutir por tudo e agora mais esta!
Estou farto! – contava o João irado ao Manel.
-
Olha que sorte João! Se te bateram no carro, o seguro paga e ainda ficas com um
carrinho novinho em folha! – retorquiu o Manel.
Ao
entrar em casa, João já ouvia os gritos dos dois filhos em luta pelo PC, a
Maria berrava ainda mais alto dizendo, “sempre a mesma coisa e o vosso pai nada
de aparecer para não variar!”. Por um segundo, João sentiu a irritação
invadi-lo e quando estava prestes a gritar “mas que raio se passa desta vez
aqui?!” estacou! Respirou profundamente e decidiu chamar a família com a voz
mais calma que conseguiu.
-
Hoje bateram-me no carro, mas deram-me um carro novinho! E que me dizem a irmos
dar um passeio nele? – propôs
Os
olhares inicialmente estupefactos de todos deram lugar a sorrisos animados dos
filhos que rapidamente anuíram e a uma Maria que, ainda surpresa, pegava com um
ar ligeiramente divertido no seu casaco!
Desde
sempre e de diferentes formas, o ser humano ouviu e contou histórias. Vivemos
tempos, no entanto, em que é preciso restaurar a generosidade do ouvir e ser
ouvido, do acolher e do oferecer o bálsamo das histórias. Afinal, conhecer
personagens que falem à nossa alma, que nos curem, ou que enfrentem desafios
para, no final, serem felizes para sempre, é buscar a construção de um mundo
mais leve. A arte de contar histórias é uma viagem que nos transforma, que nos
coloca como contadores e ouvintes, como narradores e protagonistas. Por vezes o
nosso livro da vida, retrata um mundo pesado onde as personagens são sofredoras
nas suas lutas contra as adversidades e nós como qualquer autor saturado da sua
narrativa, bloqueámos, não conseguimos escrever novas páginas…páginas
diferentes. Damos por nós tentando escrever mais parágrafos, mas ora não
conseguimos ou são quase iguais aos
anteriores…
Qual bloqueio de
escritor, ficamos frustrados, perdidos e ansiosos…afinal a “Editora Vida” tem
os seus timings e sentimos que o
relógio avança e que não continuamos o livro de forma diferente, sentimos que
não estamos no caminho para o final desejado.
Contudo,
há que lembrar: somos os autores da nossa história e como tal, a qualquer
altura podemos reescrever a nossa história, podemos olhar para as páginas
escritas e mudar a sua pontuação, podemos criar novas personagens que ajudem o
protagonista ao final desejado, ou fazê-lo encontrar poderes ocultos dentro de
si, podemos mudar a nossa narrativa!
Qual criança nos contos de encantar, temos que
acreditar! Acreditar na nossa capacidade de criar, inovar, de olhar de outro
ângulo para as situações que se nos apresentam, na nossa capacidade lutar e nos
finais que ainda que com entraves, são felizes para nós.
Elisabete Gomes
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