A chegada do primeiro filho é um
momento vivido com muita alegria, felicidade e expectativa pelos pais e
familiares, mas é também um processo que implica inúmeras mudanças e adaptações
na vida dos recém-papás e, consequentemente, provoca sentimentos de ansiedade e
incerteza, que podem colocar alguns desafios ao casal, mas fazem parte deste
processo de crescimento familiar. E eis que chega o momento tão esperado….
“Até ao nascimento da primeira criança tudo se joga ao nível do desejo,
do imaginário, da expectativa… Sobre o que é ser pai, sobre o que é ter um
filho, sobre o que será esse filho, sobre o que ele poderá dar ou tirar ao
casal e à família.
Esta é a única preparação possível e minimamente eficaz para o bom
desempenho do estatuto da parentalidade; com efeito sabem-se os resultados bem
negativos das “aprendizagens” para ser pai e/ou mãe em escolas “formais” ou
através de livros. Para o casamento, os indivíduos preparam-se pelo namoro que,
por muito artificial que seja, permite, apesar de tudo, um simulacro de uma
aprendizagem concreta da relação conjugal. Para a vida profissional, estuda-se,
“forma-se” o sujeito em determinada área e especialidade, estagia-se, treina-se
no terreno. Para se ser pai ou mãe aprende-se através da fantasia antecipatória
desde criança, brincando com bonecas e aos pais e às mães. Aprende-se com os
próprios pais observando o modelo parental que fornecem e, mais tarde,
imaginando o bebé que se vai ter e a forma de se relacionar com ele: as
alegrias e satisfação que dará, mas também, as dificuldades e problemas que
suscitará.
Este último passo é acelerado ao longo dos nove meses de gravidez, nos
quais a realidade do bebé assume já contornos irreversíveis, tornando-se
particularmente importante e específicos para a mãe. Se se associar a este
aspecto toda a evolução tecnológica de controlo da gravidez, nomeadamente a
ecografia com a possibilidade de identificação provável do sexo da criança bem
como do seu tamanho e peso bastante antes do nascimento, podemos comprovar o
sentimento de necessidade de antecipação e confirmação da imagem criada. Aliás,
este avanço científico, com a credibilidade que lhe é inerente, não fez mais do
que dar aos futuros pais uma resposta, com margem de incerteza reduzida,
relativamente a outros “métodos” utilizados popularmente com o mesmo objetivo,
como a forma de balançar a agulha suspensa pela linha, a “forma da barriga”, a
cara da grávida com ou sem “pano”, bonita ou feia…
E assim, armados de muito amor e de uma imagem do bebé e da relação
pais-filho, construída nesta amálgama de experiências imaginadas na Escola de
Fazer Pessoas como lhe chama V. Satir, muitas vezes em menos de vinte e quatro
horas, os futuros pais são confrontados com o facto de já o serem
efectivamente, e com um bebé que não coincide com o imaginado. Começa a grande
tarefa do ajustamento. A criança nasceu e o peso da responsabilidade face ao
seu futuro impõe-se, a ansiedade de “não poder fazer errado” irrompe e as
corridas, a falta de tempo, o cansaço e o desencorajamento surgem, numa tarefa
em que não é permitido desistir. A parentalidade é para sempre. Nela não há
férias nem reforma. Em relação aos filhos não se aceita o divórcio. A
não-parentalidade não pode ser recapturada.”
Relvas (2006). O Ciclo Vital da Família. Perspectiva sistémica. Pág. 81/82
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