“Eras Tudo para Mim”
“Aparentemente, tudo funcionava muito bem. Não havia
problemas entre nós. Nunca houve. Refiro-me a grandes problemas, pois estávamos
quase sempre de acordo, pelo menos quanto aos assuntos importantes.
Respeitávamo-nos e gostávamos muitíssimo um do outro. Na verdade, gostamos
muito um do outro, embora tenhamos erguido um muro entre nós.
Este par, como tantos outros de hoje, desfez-se.
Separámo-nos. E, nesse momento, eu quase não percebia porquê. Agora, após algum
tempo de reflexão, dou-me conta de que era nos próprios alicerces da nossa
relação que residia a doença. Tu e eu, sem preparação, unimos as nossas vidas
segundo a forma que tínhamos aprendido, de acordo com o modelo do modelo que
recebemos dos nossos pais e que funcionou durante algum tempo. Nesses anos em
que nos fomos dando um ao outro, sem cuidarmos de nós próprios.
Eras tudo para mim. Eu vivia por ti e para ti. Cada coisa que
fazia, pensava ou sentia trazia-me uma recordação de ti. Só tinha sentido se,
depois, a partilhava contigo, se dependia de ti. E enquanto permaneci assim,
dentro da relação, em nada me parecia estranha a necessidade que nos unia.
Dependência amorosa ou simbiose – como dizem os
especialistas, quando definem esta relação tão problemática e frequente.
Segundo eles, o homem desempenha o papel de pai da mulher e esta o papel de mãe
do homem. Um ocupa-se do outro e vice-versa. O problema é que a relação se vai
consumindo lentamente. Pouco a pouco, vai-se esgotando, por não permitir o
crescimento do individual. Psicologicamente, forma-se uma personalidade através
da mistura dos dois, de forma que é enorme a fusão a um nível profundo.
E foi isto que aconteceu. A estrutura do nosso par começou a
fender-se e as emoções, até então reprimidas, principiaram a brotar com
demasiada violência. A raiva acumulada causou estragos. O medo ia-se
extravasando mais e mais em cada dia. E o que havia durado tantos anos, com
pequenas intervenções, agora não tinha remédio.
Foi muito duro. Terrível e doloroso. Começar de novo. Com o
coração desfeito e todas essas emoções a surgirem, brutais, noite após noite.
Quando o silêncio de uma casa não partilhada te lembra, em cada momento, que
estás só. E choras. Nesses momentos, fazes o que jamais terias sequer sonhado.
Falas seja com o que for. Gritas. Ages…
E, pouco a pouco, vais refazendo a tua vida. Ferido ou, pelo
menos, maltratado. Inicias a tua vida de separado, com a compensação inicial
dos teus amigos. Com o receio de que seja contagioso (e é). Vais aprendendo a
viver, de novo, com crescente ilusão e com a esperança de que, depois de tudo
por que passaste, possas ter uma segunda oportunidade.”
“Gosto de Fazer Amor”, José F. Zurita
http://180terapias-acores.blogspot.pt
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